segunda-feira, 16 de maio de 2011

Só o Hardcore salva!


Tem horas em que você acha que esse mundo materialista-narcisista-militarista não tem jeito, que tudo é uma merda e tudo o que você sente é tédio e raiva, e você quer apenas destruir tudo. Muito provavelmente você sentiu isso quando tinha lá seus 13, 14, 15 anos, e nessa época, meu amigo, tudo o que você tem como aliado nessa luta inglória é música baraulhenta e raivosa, para acompanhar seus sentimentos. E se você foi adolescente dos anos 80 pra cá, o que provavelmente você ouvia nesses momentos de fúria era o bom e velho HARDCORE.

O termo hardcore surgiu ali pela virada dos anos 70 para os 80, na Califórnia. Os EUA criaram o rock and roll, e não foi por acaso. Nos anos 50, eles haviam criado a instituição que geraria o rock: a adolescência. Sim, até então ou você era criança ou era um jovem que já podia se alistar no Exército e lutar e morrer pelo seu país. E a adolescência surgiu como um nicho de mercado, numa época de prosperidade econômica e famílias mais liberais, no pós-Segunda Guerra Mundial. A molecada com hormônios em fúria começou a ter dinheiro no bolso, para ir no cinema, tomar milk-shake e comprar discos. Então surgiu o rock and roll. Porque os anos 50 foram também uma época de conformismo, caretice e medo, medo do comunismo, da ameaça nuclear... E a molecada com os hormônios em fúria começou a se rebelar contra o tédio e o medo, eles queriam viver, viver ao máximo, e a música barulhenta fazia parte disso tudo.

A história vocês conhecem, o rock foi devidamente enquadrado e domesticado pelo capitalismo, e nos anos 70 não representava mais nenhuma ameaça, até que, 20 anos depois da explosão inicial, uma nova explosão resetou tudo com três acordes e muito barulho: Era o Punk Rock. Que começou nos EUA, com pioneiros como Stooges e MC5, mas se consolidando apenas com uns certos Ramones. Na Inglaterra, o espertalhão Malcolm McLaren manufaturou uma banda punk chamada Sex Pistols, e muitos moleques, com os Ramones como exemplo, montaram suas próprias bandas, entre eles o The Clash, a mais política dentre elas.

De volta aos EUA, os Ramones continuavam soltando um disco clássico atrás do outro, a vertente mais pop-colorida do punk desembocava na New Wave, e os moleques mais maloqueiros e revoltados inventaram o tal do hardcore. A receita era simples: tocar mais rápido, mais barulhento e mais pesado, berrar mais alto no microfone, e fazer tudo eles mesmos. Assim, esses moleques salvaram o Rock and Roll e salvaram o mundo da monotonia total por mais duas décadas, criando as bases para tudo o que se convencionou chamar de 'rock alternativo'.

A cena hardcore começou festeira e incosequente, como era de se esperar de um bando de moleques punheteiros, mas logo foi se politizando e ganhando consistência. E três grupos lançaram, em três anos, os três discos fundamentais do estilo. Começando pela banda que injetou consciência política e refinamento sonoro (sem deixar o barulho de lado, claro) na mistura: os Dead Kennedys, do gênio Jello Biafra.

Dead Kennedys - Fresh Fruits for Rotten Vegetables (1980)


Sim, o que dizer do Jello e dos Dead Kennedys? André Barcinski já falou tudo em sua resenha de Fresh Fruits... para a discoteca básica da Bizz. Com o guitarrista East Bay Ray e o baixista Klaus Fluoride, Jello deu ao mundo essa obra prima de barulho, fúria e anarquia, com hinos do porte de Kill the Poor, Let's Lynch the Landlord, Drug Me, California Uber Alles e Holiday in Cambodia, apontando sua metralhadora giratória verbal para todas as formas de hipocrisia da sociedade americana. E musicalmente, o disco se mantém fiel aos mandamentos hardcore, porém com alguma sofisticação, graças principalmente à guitarra matadora de East Bay Ray. Rolam até uns solos, além de riffs memoráveis como o de Holiday in Cambodia, que com 4 minutos e meio era uma verdadeira peça sinfônica para os padrões hardcore. E ainda termina com uma versão matadora de 'Viva Las Vegas'! Fiel ao 'faça você mesmo', Jello e seus asseclas lançaram o disco pela sua própria gravadora, a Alternative Tentacles.

Faixas:
01 - Kill the Poor
02 - Forward to Dath
03 - When Ya Get Drafted
04 - Let's Lynch the Landlord
05 - Drug Me
06 - Your Emotions
07 - Chemical Warfare
08 - California Über Alles
09 - I Kill Children
10 - Stealing People's Mail
11 - Funland At The Beach
12 - Ill In The Head
13 - Holiday in Cambodia
14 - Viva Las Vegas

Ouveaê!

Ainda antes do Dead Kennedys, o Black Flag, cria de outro gênio, Greg Ginn, já agitava a Califórnia com seu barulho divertido e incosequente. Mas foi apenas com a adição de outro gênio, o vocalista e PROVOCADOR NATO Henry Rollins, eles conseguiram o seu lugar no panteão, em 1981.

Black Flag - Damaged (1981)




A ferocidade sem limites do vocal de Rollins foi o ingrediente que faltava, e Damaged, o primeiro LP do Black Flag, é uma obra-prima instantânea da fúria hardcore. Porradaria, barulheira, raiva, e sim, bom humor, percorrem todo o disco. As letras de Ginn tinham tudo que se esperava do melhor hardocore: o sentimento de tédio e alienação dos adolescentes, apenas amenizado por bebedeiras, televisão e música barulhenta. A faixa mais conhecida, a emblemática 'TV Party' resumia tudo. O restante das 15 faixas segue a toada, e Damaged talvez seja o disco mais representativo da cena. Lançado em cassete pela gloriosa SST Records, gravadora fundada por Ginn e que deu ao mundo bandas como Hüsker Dü, Sonic Youth, Minuteman e Meat Puppets.

Faixas:
01 - Rise Above
02 - Spray Paint
03 - Six Pack
04 - What I See
05 - TV Party
06 - Thristy and Miserable
07 - Police Story
08 - Gimme Gimme Gimme
09 - Depression
10 - Room 13
11 - Damaged II
12 - No More
13 - Padded Cell
14 - Life of Pain
15 - Damaged I

Ouveaê!

Bad Brains - Bad Brains (1982)





Mas a banda mais bizarra e original da cena hardcore do inicio dos 80s sem dúvida é o Bad Brains. Produto da mente doentia de quatro negões rastas de Washington, D.C: Dr. Know, H.R., Darryl Jennifer e Earl Huston, o Bad Brains fez a improvável ponte entre o mais puro hardcore e o reggae, com um ainda mais improvável tempero Jazz.

Lançado em 1982, também em cassete, pela lendária gravadora ROIR, o álbum de estreia dos Bad Brains é considerado por gente como Adam Yauch, dos Beatie Boys, o melhor álbum da história do hardcore americano. Dr. Know, guitarrista de jazz fusion, rasta fã de Bob Marley mas admirador da fúria punk, percebeu que os dois estilos tinham coisas em comum, chamou amigos músicos com idéias similares e montou a banda que começou a ganhar fãs e lendas com seus shows inacreditáveis. Gravaram alguns singles difíceis de achar, como Pay to Cum, e lançaram o cassete que virou objeto de desejo e reeditado em CD diversas vezes. Ali está toda a demência dos quatro rastas, com as pesadas e rápidas Sailin' On, Attitude e Banned in D.C. e, quem diria, reggaes com pitadas dub delícia como I Luv I Jah e Jah Calling. Eles construíram uma respeitada carreira com discos como I Against I, lançado em 1986 pela SST, e shows cheios de energia, e hoje estão merecidamente na santíssima trindade do hardcore ao lado do Black Flag e do Dead Kennedys.

Faixas:

1. Sailin' On
2. Don't Need It
3. Attitude
4. The Regulator
5. Banned in D.C.
6. Jah Calling
7. Supertouch/Shitfit
8. Leaving Babylon
9. F.V.K. (Fearless Vampire Killers)
10. I
11. Big Take Over
12. Pay to Cum
13. Right Brigade
14. I Luv I Jah
15. Intro
Ouveaê!

Estas são as três pedras fundamentais do hardcore, e tudo de bom que veio depois no rock americano, toda a linhagem alternativa/indie/grunge, o skacore, o trash metal, e sim, o tal hardcore melódico que descambou para o famigerado EMO, não existiriam sem essas três bandas que demarcaram o que os moleques entediados e revoltados deste mundo querem ouvir: Barulho, mas barulho com substância.

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